quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Estudo francês demonstra que TMO interrompeu a ALD em dois garotos

Um estudo realizado na Universidade Paris-Descartes, na França, e publicado recentemente pela Revista Science, demonstrou que é possível interromper com sucesso a evolução da adrenoleucodistrofia (X-ALD), doença degenerativa que afeta 1 em cada 18 mil pessoas, baseado na alternativa de transplante de medula óssea.

Patrick Aubourg, professor de Pediatria da Universidade Paris-Descartes, é um dos principais autores do estudo. Ele já havia investido antes, de modo pioneiro inclusive, no transplante de medula óssea como alternativa para interromper a progressão da doença. Contudo, a estratégia sempre esbarrou na questão da identificação de doadores compatíveis em tempo hábil, pois a cirurgia só é eficaz quando realizada bem no início da doença.

Havia também outro elemento complicador: o transplante de medula ainda é muito associado a riscos relativamente altos relacionados à rejeição que pode ocorrer, numa doença conhecida como GVHD (Doença do Enxerto Contra Hospedeitro, na sigla em inglês).

Nesse novo estudo, abordou-se um possível caminho para resolver o problema de disponibilidade de medulas e, ao mesmo tempo, diminuir os riscos do transplante. Os pesquisadores extraíram amostras de medulas de duas crianças, utilizaram vírus geneticamente modificados para corrigir o defeito que causa a doença e enxertaram novamente as células corrigidas na medula dos garotos. Os vírus usados na pesquisa para realizar a correção genética são versões alteradas e inativas do HIV.

Depois de dois anos de acompanhamento, os resultados foram comparáveis aos obtidos com transplante de medula. Apesar de não se chegar à cura, houve ganho na capacidade cognitiva e o progresso da doença sofreu interrupção. “É a primeira vez que conseguimos usar com sucesso os lentivírus derivados do HIV para terapia gênica em humanos”, afirma Aubourg. “É também a primeira vez que conseguimos tratar com eficácia uma doença neurológica grave com o uso de terapia gênica".

Sobre a adrenoleucodistrofia
Deflagrada por conta de um defeito genético na cadeia X que costuma ser herdado da mãe, a doença se manifesta principalmente em meninos e leva a um processo de neurodegeneração que começa com quadros de déficit de atenção e evolui, muito rapidamente (de 6 meses a 2 anos) para quadros de cegueira, surdez, paraplegia, incapacidade de engolir e se comunicar.

A história do Lucca
Faz pouco mais de um ano, um ano de meio que ouvi o termo adrenoleucodistrofia pela primeira vez. Embora eu trabalhe desde 2002 no setor de saúde, mais especificamente com alternativas inovadoras de tratamentos para doenças crônicas, eu nunca soube sequer da existência dessa doença. Quanto menos, de sua gravidade. Fiquei muito muito apreensiva quando li as primeiras informações sobre ela, depois de uma busca simples no velho e bom Google: "doença degenerativa, que acomete meninos, passada de mãe para filho, que leva à morte de 6 meses a dois anos, que não tem cura nem tratamento". Quase enlouqueci.... Porque o que me levou a essa tal busca na internet foi o fato de receber, em 1/8/2008, a notícia terrível de que meu filho mais velho, Lucca, na época com 8 anos, sofria de X-ALD. O ar me faltou. O chão desapareceu da minha frente. O desespero imperou de uma forma que mal posso me lembrar.... (leia também Um grande favor..... ).

Desde então, dividi aqui tudo que se passou, as alternativas que encontrei, os passos que demos em busca de salvar a vida do meu pequeno. Como a doença dele foi diagnosticada num estágio realmente muito inicial, o Dr Fernando Kok, um dos neurologistas que mais entendem desse assunto no mundo, me indicou o trasplante de medula óssea. De cara, meu coração ficou super apertado, porque eu sabia dos riscos de rejeição, já que o procedimento depende de zerar o sistema imunológico do paciente antes de trasplantar as novas células. E, nesse meio tempo, o organismo do transplantado fica totalmente desprovido de segurança imunológica, e aberto à ação dos milhares de vírus e bactérias -- dos mais simples aos mais complexos -- com os quais convivemos diariamente.

Mas acreditei que deveria abraçar essa alternativa. E, por mais dolorida que seja a ausência dele, acho que foi uma decisão acertada.

Como muitos sabem, Lucca não está mais fisicamente aqui conosco. Ele ganhou suas asas de anjinho há cerca de 3 meses, mais precisamente no dia 19/8/2009. Não vou repetir aqui o quão guerreiro ele foi. O exemplo de vida que ele deixou pra todos nós. O brilho e a esperança que ficaram no ar mesmo depois de sua 'viagem' pro lado do papai do céu.

O que quero dizer é que, apesar de todos os pesares, fico feliz de ele ter podido se submeter ao transplante de medula óssea. Principalmente porque o procedimento em si foi um sucesso. Mais do que isso: antes de sabermos do resultado desse estudo desenvolvido na universidade francesa, eu já havia presenciado, debaixo dos meus olhos, o sucesso do TMO para caso do Lucca. Dias antes de ele falecer, foi submetido a exames de imagem que já deram sinais claros de que a evolução da doença no organismo dele estava controlada.

A fatalidade no caso dele não foi por causa do transplante em si, nem da própria ALD. Ele faleceu basicamente em função de uma infecção viral contraída no hospital logo depois do transplante e que demorou mais do que o que devia para ser diagnosticada e tratada corretamente. Por isso evoluiu para quadros mais sérios e irreversíveis. Que se agravaram também por conta de problemas ocorridos durante a internação, especialmente relacionados ao uso de alguns medicamentos, e a determinadas decisões terapêuticas equivocadas.

Mas o ponto aqui é outro. Quero reitero que vale a pena acreditar na alternativa de TMO. E, melhor ainda que tenhamos novas alternativas como essa publicada na Science, para controlar os efeitos e riscos do procedimentos. Porque, a cada dia, descobrimos mais doenças, especialmente ligadas à genética, que são terríveis e, para as quais, o transplante de medula se apresenta como uma alternativa, uma luz no fim do túnel, uma baita injeção de esperança.

O que precisamos é atentar para os cuidados e tratamentos realizados no pós transplante. Garantir que a equipe que atenda o paciente seja experiente o bastante e seja, de fato, multidisciplinar. Mas esse é um tema que vou voltar a abordar em breve com mais detalhes.

Por hora, o mais importante é brindar ao sucesso desses dois garotos que participaram da pesquisa em Paris. Imagino como estão as suas mães nesse momento.... Fico muito feliz por eles. Tenho certeza de que o Lucca também está todo saltitante lá de cima com essa notícia!.... Como eu, ele acreditava com todas as forças que tudo daria certo no final. Se não deu conosco, que bom que deu com outras pessoas. É a esperança que volta a permear nossos ares e nossas vidas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Lu,

Adorei a lucidez com que escreveu este artigo, e como ele pode ser proveitoso para aqueles que eventualmente estejam dependendo também de uma TMO...

Edilberto

Michelle disse...

Não precisa aceitar... mas leia!


Ahhhhh!!!! Minha nossa!!! Hoje, por egoísmo meu, era um dia que não queria ter lido esse seu post.

Estou mal!!! Ah, meu Deus! Que saudade que estou! Sim, do meu pai... mas, acredite ou não, sempre que penso no Lucca, penso no meu pai e sempre que penso no meu pai, penso no Lucca... como se fossem unidos! Acho que hoje são unidos... será que como nós duas? rs

Ai, que saudade dos infernos que estou hoje... do sorriso do meu pai... de sua voz chamando “filhinha”... ah, que dor!!!
Dos olhares com seus olhos azul piscina.... do abraço singelo que me protegia, me confortava... de singelo na verdade não tinha nada! Era TUDO! Era tudo o que eu queria!

Estava conversando com minha mãe agora pouco (eu estava chorando) e questionei se ela sentia o mesmo ou se meu irmão sentia o mesmo que eu, se choravam como eu... antes que ela respondesse, falei.... não sei... vai ver não nos comunicamos e então caiu um pote cheio de canetas no chão aqui da sala.... ahhhh!!!!! Meu Deus! É um sinal que a gente se comunica?? Espero eu que sim!!! Foram os gatos que derrubaram... sim, isso é normal... sempre derrubam coisas... mas hoje foi um pote grande, pesado, de ferro... ah, é um sinal! É sim!!!

Estava na casa de um amigo hoje e falei em vc... da sua perda... de como deve ser a sua dor... Ah, Pan (adorei esse apelido!).... eu realmente sinto DEMAIS a sua perda!!! E eu realmente amo vc demais!!! Sabe lá Deus como e por que cargas d’agua isso tudo (nossa história) aconteceu... Realmente é inexplicável... parece uma história de amor... quero dizer, é uma história de amor... mas uma história de filme, que poucas pessoas acreditam na sinceridade dos sentimentos...

Me lembro como se fosse ontem o dia que escrevi para a Tati sobre os florais para o Lucca! A primeira vez que nos falamos... me senti mal... o recado que vc me deixou no msn depois de saber quem eu era... eu chorei! Quando nos conhecemos.... vc meiga! Dócil, fofa... vontade de colocar no colo (já te falei isso?)... vontade de acolher... tomar a sua dor, a sua aflição... ah, como eu sofri com vc sem vc ao menos saber!!! Desde o início de agosto eu sofri....e hoje ainda sofro... por vc, pela dor que vc tenta não mostrar, pelo olhar triste da sua mãe.... que tenho vontade de pegar no colo também!!!

É engraçado mas me sinto da sua família quando vejo seus pais, irmãs... Sinto-me “em casa”! É tão bom!

Eu ia só escrever 2 linhas... acabei desabafando um monte!
Me perdoe!

Acho que eu só queria desabafar a minha dor e ao mesmo tempo compartilhar a sua dor das entrelinhas... dói, né?! Se a minha saudade dói, acho que a sua dói mais que a minha...

Amo você! De verdade! Aquele sentimento simples... singelo... puro e que preenche meu (como diria meu pai) humilde coração.

Te conhecer foi um presente... aprendi MUITO... com a sua dor e a sua garra! Com as suas lágrimas e com suas conquistas. Quando crescer, quero ser igual a você!

Amo você! Do tamanho do universo! Não mais! Mais, só o "meu" Lucca Leucco!

PS: O Universo em si, era a maior paixão do meu pai! Amante das estrelas, supernovas, astros, asteróides... por onde ele viaja hoje... e pesca suas estrelas com alguém que gosta(va) de pescar.

Um beeeeeeeijo com carinho do tamanho do Universo!

Mi

Wagner Lopes disse...

Oi Lu! Vc é uma vitoriosa, uma mulher de fibra, uma verdadeira "guerreira" Parabens p/ lindo blog!
Acompanho sua luta a algum tempo, inclusive eu e minha esposa fomos doadores de medula óssea. Minha situação é semelhante a sua, sou pai de um moço com ALD. O Geazi,lembra...
Meu filho é um verdadeiro mistério, ja fazem 6 anos de luta contra a ALD, e ele esta sendo muito forte. misteriosamente voutou a dicção e audição. Gostaria de vc me dar uma "mãosinha" e criar um caminho para leva-lo a França. desde já agradesço!