Eram quase 6 e meia da tarde quando retornamos do 4o andar, onde Lucca foi levado para fazer a Tomografia de que falei antes. Felizmente, correu tudo bem e, muito provavelmente, já amanhã saberemos o resultado do exame.
De volta ao quarto, Lucca ficou assistindo um pouco de TV e, depois, brincamos juntos de colorir e desenhar. Usamos figuras que a terapeuta que o acompanha lhe trouxe na semana passada. Hoje colorimos uma folha com carrinhos HotWheels e outra com personagens do desenho Naruto.
Um pouco mais tarde, já no comecinho da noite, eu estava mexendo no computador, inclusive respondendo algumas mensagens do blog, quando, de repente, o Lucca me chamou assim: "Mamãe, levanta, vem aqui perto, agora por favor" – isso porque o sofá-cama em que eu fico sentada está a menos de 1 metro da cama dele. Mesmo dali, consigo ver o que se passa com ele na cama. Como tudo parecia normal, pedi que ele me falasse o que havia acontecido. Mas ele repetiu: "vem aqui perto, mamãe".
Levantei-me e cheguei na beirada da cama dele. Ele estava sentado e, com os olhos e cabeça, fez um movimento me convidando a olhar atrás dele. Olhei nas costas, imaginei que ele iria falar da coceira -- que já é tradicional nesse horário do dia (a ciclosporina estava em curso de infusão no catéter dele...rs). Só que não vi nada. Ele, então, com um semblante leve e um sorrisinho maroto no rosto, me falou: "o travesseiro, mamãe.... olha lá. Hoje o motivo da minha coceira é outro. É meu cabelo que começou a cair". Assim, numa super boa. Do tipo bem resolvido mesmo.
Olhei. De fato, o travesseiro e o lençol dele tinham muitos fiozinhos de cabelo, que começaram a cair por conta do efeito da quimioterapia -- tudo conforme esperado.....
Naquele momento, voltei no tempo mais uma vez.
Durante todo o curso da história, desde que houve o diagnóstico de adrenoleucodistrofia, nós sempre conversamos muito e fomos evoluindo na velocidade, intensidade e seguindo uma lógica ilógica que sempre fez sentido. A cada novo capítulo, eu lhe pincelava e contava algumas coisas sobre a doença, o tratamento, o transplante -- e também sobre a força e a fé que nunca poderíamos perder, mostrando a ele o quanto isso poderia e faria a diferença.
Muitas vezes, parecia que não era eu quem estava lá. Eu me sentia um rádio ou um alto-falante porque nunca achei que eu encontraria (e também não sei onde achei) a forma mais adequada de lhe falar sobre tudo aquilo. Mas eu sempre quis que ele soubesse por mim e tivesse de mim as respostas que procurava. "Princípio do respeito", pensei eu, em linha com o que me prometi desde sempre sobre criar filhos que sejam jovens e adultos leais e verdadeiros.
Um dia conto em detalhes momentos destes que foram mesmo lindos, muito marcantes. Como o dia em que ele tomou o óleo de Lorenzo pela primeira vez. Ou a conversa que tivemos antes que fossem ao ar algumas reportagens na TV feitas por grandes amigos meus acerca da doença dele dentro do propósito maior de mobilizar a sociedade a doar medula. E muitos outros. Porque houve inumeros momentos assim, cheios de magia.... , e, com o tempo, ele foi conhecendo muitos detalhes. Cuidei com muito carinho de cada informação que lhe passei nesses sete meses, sempre com o intuito e da forma adequada para responder às suas dúvidas e mante-lo motivado. Nunca para assustá-lo, deixá-lo tenso.
Tanto que hoje ele sabe explicar direitinho (palavras dele) sobre "o porquê da adreno em meninos"; a questão do "DNA, do X e do Y" (ele conhecia esse conceito de XX e XY do desenho do Ben10, uma febre entre a garotada da idade dele atualmente; "o tal do gene defeituoso que não produz o liquidinho pra jogar fora a parte ruim das gorduras saturadas das comidas que a gente come"; o quanto de gorduras saturadas ele podia ingerir e como avaliar isso nas embalagens dos alimentos; como seria o transplante; que ele teria de fazer quimioterapia e como era isso....
E, também, que o cabelo dele ia cair por causa da quimio.
Lucca conta pra quem quiser ouvir que "a quimio é feita pra matar as células do meu sangue para eu poder receber as do cordão umbilical. As células do sangue precisam de um remédio muito forte pra matá-las porque elas são muito rápidas, fazem filhinhos muito-muito rápido. Só que tem outras células no nosso corpo que também são rapidas assim, como as da boca, da barriga (referindo-se ao intestino), e as que fazem o cabelo. Por isso raspei o cabelo, tudo tudo, carequinha, antes de vir pro hospital. Era engraçado passar a mão. Ficou bem lisinho. Agora já cresceu um pouquinho mas eu sabia que ia cair de novo, por causa da quimio.... Mas a mamãe me falou que cresce rápido depois que as células do cordão da menina dos Estados Unidos namorarem com as minhas células e começarem a fazer filhinhos e eu ter o sangue novo, sem adreno".
Esse garoto tem uma capacidade incrível de me fazer chorar.
Chorar de alegria, de emoção, pura emoção!
E de ver e poder colher frutos que me orgulho muito de ter plantado ali no coração e na cabecinha dele, com meu amor mais incodicional. A despeito da angústia, medo, desespero e da loucura toda que passei a viver em meio a tudo isso.
Quando o ouço contando histórias assim..... nossa, devo confessar que não caibo em mim. Parece pedante, parece que quero me enaltecer. Não é isso: me vitimar nunca foi a minha cara e também não sou muito boa em me vangloriar rs.......
Mas são as palavras que usei com ele, entendem? É ver que, de algum modo, ajudei-o a entender e processar o que está se passando com ele. De alguma forma, fiz meu papel.
Vejo-o forte.
Enxergo pedacinhos de mim nele.
Me vejo forte por ele, com ele, por causa dele....
Nada disso me faz diferenciar o amor de mãe. Falo com o coração: meu amor é incondicional pelos meus três filhos. Peço a Deus a força para ser sempre uma amiga presente e um porto-seguro assim para o Lucca. E igualmente para o Marccão e para a Lellinha. E tê-los da mesma forma. Em situações diferentes, porque cada qual vive uma história. De longe ou de perto. Mas sempre juntos!
4 comentários:
Lu, a cada palavra, a cada demonstração de sentimento, seja ele triste ou feliz, a cada postada sua aqui, tenho mais orgulho de poder ter a oportunidade de conhecer esse menino de ouro. O Lucca é como todos os meninos da idade dele, esperto, inteligente, brincalhão... Mas tem um Q a mais, pois tem essa força interna que poucas pessoas tem, mesmo adultas.
Agora vcs tem só q ter um pouco de paciência, pois tudo já deu certo...Aproveitem as férias para descansar um pouco... pois a vida aqui fora será bem agitada...
Lu e Lu,
Vocês dois são guerreiros... No e-mail que vc me mandou disse que tem orgulho do Lucca ser amigo do Rafa. Quem tem orgulho sou eu... pois o Lucca é um menino forte, guerreiro e exemplo para tantos. Estamos torcendo, orando, vibrando, enfim tudo que possa emitir uma onda positiva pro nosso pequeno estamos fazendo. Deus abençõe vocês. Domingo se tudo der certo estaremos aí.
Stela (mãe do Rafa)
Lu, meu anjo, você consegue ver o que está acontecendo...? O Lucca, assim como o Marcco e a Lella, os três são realmente iluminados, e são fortes, equilibrados, amorosos, verdadeiros, leais e do bem. E eles espelham você. Logo, logo, tudo isso será passado, é verdade, mas a história que voc~e está escrevendo ficará marcada pra sempre -- não só na sua cabeça, mas na vida de muuuuita gente. Tenho certeza de que você não consegue imaginar de quanta gente estou falando. Adoro você. Um beijo, Má
Lu,
Não vale ficar "metida,esnobe" por ter um filho tão magnífico.Esse menino vale ouro,mas na verdade,ele nada mais é do que fruto daquilo que você lhe ensinou....
Parabéns por serem como e quem são....
Boas vibrações prá vocês...
Postar um comentário